quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

O engano do ator

Conhecida mais por seus doces papéis interpretados nas novelas e mini-séries globais, a atriz Ana Paula Arósio, talvez num momento auto-crítico, declarou o seguinte na coluna de Mônica Bergamo da Folha de São Paulo nesta 3ª feira, 26/02/08: "Meu trabalho é uma grande enganação. Sou paga para enganar as pessoas e elas querem ser enganadas. E quanto melhor eu as enganar, mais gostarão do meu trabalho."

Embora a atriz pudesse estar se referindo a imagem que o grande público tem dos atores de novela e possivelmente também dos padrões do "meio profissional" do qual ela faz parte, ler essa declaração me levou a pensar no papel do ator, do espectador e mais uma vez nas (im)possíveis definições para o que seja a arte.

Uma das tentativas históricas de se definir o que seria a arte resultou na idéia de que, essencialmente, a arte seria a imitação. Imitação de eventos ou manifestações seja da natureza ou dos homens e bichos. Em outras palavras, a arte nunca poderia ser real ou realizada em si mesmo, pois tratava-se sempre de uma possível enganação, já que o que o espectador assistiria não era uma verdade.

Em 1916, o exagero e extrapolação dessa idéia deu origem ao movimento chamado Dadaísmo, que negou a arte, preconizando ser ela um erro ou uma mentira, e que seria preciso buscar a espontaneidade natural do homem que apenas se revelaria nos jogos e nos atos gratuitos ou no lúdico ocasional.

Para além dos exageros e radicalismos, quando a arte pode ser verdadeira? E quanto ela deveria mesmo se restringir a ser, nesses termos, verdadeira?

Quando um ator chora interpretando uma cena triste, ele deve sentir a mesma comoção como se aquilo estivesse realmente acontecendo com ele?

O diretor de teatro Stanilavski sugeria a técnica de interpretação em que o ator deveria emprestar ao personagem suas próprias emoções que ele mesmo as tivesse vivenciado anteriormente (em Aristóteles, essa era a chamada técnica da identificação). Assim, o ator , presumidamente, conseguiria expressar aquela emoção de maneira mais realista possível diante do espectador.

Já Bertold Brecht, negava-se a isso, considerando que seria manipular, tanto o personagem quanto o público. Brecht valia-se da técnica do estranhamento ou distanciamento, em que o ator deveria controlar totalmente as ações e emoções do personagem e, ele mesmo (o ator), manteria uma postura crítica com relação ao espetáculo.

Teorias a parte, Ana Paula Arósio pode ter ciência disso, mas mais ainda, parece saber, e não ter receio de dizer, que o público para o qual ela está acostumada a se mostrar, prefere mesmo ser enganado, não apenas naquilo que Brecht condenou, mas no que diz respeito a visão que se constrói de uma bela atriz: a mocinha.

Dá-se a mocinha o papel de herói, quando fazemos dela uma imagem idealizada, infalível, que sempre chega lá e que por nada é detida. É então aí que não permitimos que este papel seja interpretado de outra forma, pois se o herói pode ser atingido, todos nós, reles mortais, potencialmente também estamos ameaçados. E provavelmente ninguém gosta de estar sob ameaça, mesmo que imaginária.

3 comentários:

Anônimo disse...

há tb a questão do simulacro q trata da emulação da realidade. estaríamos vivendo a hiper-realidade segundo baudrillard. mas o q é realidade ou verdade? a identificação com a trama da novela das 8 nos insere na realidade-fantasia? ou aceitamos nossos papéis nos padrões da sociede de consumo, como o ator q reflete e retroalimenta esta sociedade?
reality shows q te assaltam a cada esquina mostram a necessidade de exacerbar esse novo papel pelo qual fomos contratados.
sim, vivemos a hiper-realidade,
a matrix.
quem engana quem?
quem emula o que?

joão ali

Fábio disse...

Será que nós todos não somos atores, principalmente quando estamos em público e, por isso mesmo, temos muito medo quando encontramos conosco nos momentos de silêncio?

Alice disse...

muito bom post !!
visitando....
abraços
Alice