segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Meu aniversário

Pois é, vou comemorar meu aniversário neste sábado. Será na casa do João e da Vera. Espero que você apareça por lá.
Diz um provérbio português que, na vida, são poucas as vezes que fazemos 40 anos...

sábado, 11 de agosto de 2007

Sem compromisso - um conto

Mococa, 1981. Apesar das constantes implicações de meu pai, daquele domingo de verão não poderia passar, eu tinha que ir à Fazenda Sta. Elisa assistir à tão famosa pelada dos colonos. Faziam até campeonato!

Naqueles tempos, entre os trabalhadores da zona rural mocoquense, interior paulista, haviam algumas preferências para o dia de domingo: futebol, cachaça e brigas. Estes elementos se confundiam em variadas combinações, porém a mais tradicional era jogar (ou assistir) às partidas de futebol na Faz. Sta. Elisa, beber cachaça para comemorar e, em seguida, arrumar encrenca com qualquer outro que aparecesse pela frente. Muitas vezes o resultado disso, prá alguns, era voltar tarde e machucado prá casa e enfrentar a vergonha do dia seguinte.

Sem noção exata do que me aguardava, me preparo para ir.

A melhor égua que tínhamos, a Bainha, acabara de se machucar. Diziam que estava descadeirada. Obviamente, não foi avaliada por um veterinário, que certamente encontraria um animal com algum traumatismo sério.

A opção seria pegar a mula Dita, já que a outra égua, Estrela, não ia mesmo com a minha cara. Apanho uma corda e saio ao pasto para procurar a Dita. Fico surpreso por ela não estar escondida demais, pois parece que os eqüinos em geral adivinham quando vamos precisar deles e desaparecem.

Com a Dita não era possível cavalgar. Seria mulear, se existisse o termo. Era algo como um trote manco em compasso 7/8, ora acentuando os tempos fortes ora tentando um contratempo. Na verdade, contratempo era o que me aguardava...

Devidamente selada – naquele tempo eu diria arreada – a Dita já me observava atentamente, acho que ela já planejava algo... mas como dar atenção a isso? Afinal era apenas uma mula e eu contava com ela para ir à Faz. Sta. Elisa. E já não poderia mais demorar, ainda tinha que enfrentar alguns quilômetros em seu lombo. Pensando bem, talvez fosse essa a preocupação dela!

Saio da cocheira puxando a Dita pela rédea. Já do lado de fora, sob a sombra de um jatobazeiro, monto na besta e sigo rumo ao meu destino. Pela estrada ou por dentro? A menor distância compensava a me aventurar e assim cortei caminho cruzando os pastos e fazendas.

Chegar lá foi fácil. Amarrei a Dita num tronco e deixei-a a pastar, afinal de contas ela já tinha me carregado por mais de uma hora sem parar e eu agora procurava um bom lugar prá assistir ao jogo. Antes, afrouxei a barrigueira, a da mula...

Já acomodado sob a sombra de um imenso flamboyant, percebo que não precisaria ser nenhum especialista prá afirmar que os dois times usavam um mesmo esquema tático: 1-10-1, que era 1 goleiro e 10 pernas-de-pau correndo atrás de 1 bola. O que não faltava eram beques-de-fazenda, aliás, o centroavante também, o goleiro, o lateral, o técnico, todos de fazenda.

Durante e após a partida, o local mais disputado era o balcão do boteco. Escorado no tronco de uma árvore, parecia uma casinha de bonecas, feita com sobras de madeiras variadas, que parecia sob medida para o barman e as garrafas de cachaça empilhadas nos poucos engradados que cabiam naquele espaço e algumas mais a mão para facilitar o serviço. O balcão, uma prancha de madeira de no máximo um metro, abrigava alguns copos e muitos cotovelos daqueles que se espremiam prá conseguir suas doses. Vários cavalos e a Dita, ao lado deste cenário, pareciam observar seus donos irem aos poucos perdendo a razão junto com o minguado dinheiro que traziam em seus bolsos. Os animais sabiam que ainda teriam que leva-los de volta às suas casas e pareciam esperar com a paciência necessária.

O time da casa venceu, como de costume. Corria, a boca pequena, que era impensável bater o esquadrão da Faz. Sta. Elisa em campo, então esperavam os efeitos do álcool após o jogo para completarem o serviço: brigavam. Mas a coisa não se dava assim tão de repente. O roteiro já estava pronto e as cenas iam se sucedendo, cada uma em seu tempo.

Percebendo que o grand finale estava por se aproximar, vi que o tempo estava fechando também no céu. A chuva certamente cairia em poucos momentos. Reaperto a barrigueira da Dita, monto em seu lombo e... percebo um certo desânimo e resistência dela em voltar prá casa. Talvez tenha conhecido algum cavalo interessante que a tenha encantado, ou seria pura preguiça? Insisto com ela. Alguns passos e... nova parada. Ainda grato por ela ter me levado até lá, procuro ser compreensivo e calmo. Tento demonstrar que precisamos andar e emito aqueles tradicionais sons e assovios, faço movimentos com as rédeas e dou pequenas cutucadas em sua virilha com o calcanhar da minha botina. Viva!!! Ela andou.

Agora não podemos mais perder tempo pois a chuva se aproximava. O vento sopra a favor mas a Dita continua do contra, sem pressa. Começo a pensar que ela gostaria de terminar seu dia com um bom banho de chuva. Eu ainda tinha esperança de chegar seco em casa mas a toada vai num andamento muito lento, próprio de uma mula sem compromissos. Tento embalar um trote, ela se nega. Volto a fazer meus sons e sinais, ela prefere seu próprio som a mastigar a braquiária. Agora já vou perdendo a paciência e a calma. Onde foi parar a nossa cumplicidade? Estamos ou não juntos nessa? Ela me olha parecendo desconsiderar tudo isso... Ela pasta. Eu também. Aproveitando que estava parado, dou novo aperto no arreio. Como toda mula que se preza, ela era esperta o suficiente para estufar a barriga enquanto estava sendo arreada para depois ficar com a barrigueira frouxa.

Monto novamente - ela imóvel - eu nervoso me arrependendo de ter confiado a ela esta missão. Mas, como que satisfeita, ela andou e andou bastante e num bom ritmo. Na raiva, não tinha me dado conta que a chuva já caía. Acho que ela percebeu antes de mim pois agora andava mais rápido. Parecia querer chegar logo.

Começo a perceber que a volta demorava bem mais do que previa. Já era final de tarde e continuava chovendo. Faltando pouco mais de 1 km para chegarmos à divisa de nossa fazenda, mas ainda longe da casa-sede, a Dita resolve empacar de verdade. Então entendi realmente o significado da expressão “empacar como uma mula”.

Depois de fazer todas as tentativas ainda sobre a mula, desço e, obviamente, não tenho êxito algum. Não há mais paciência nem humor. Ela nem liga. Penso que eu poderia ter sido poupado dessa vergonha se ela se negasse logo na ida. Não, não deveria pensar assim! Com um pouco de razão que me resta, vejo que minha dignidade seria ainda mais abalada se nem ao menos tivesse conseguido ir.

A Dita, não se contentando em não seguir adiante, começa a refugar e andar de ré. Seguro firme, as rédeas. Essa mula não fará o que bem entender comigo. Puxo com força, ela também. Falo alto:- Veremos quem manda por aqui... Ela, como que entendesse, imprime ainda mais força. Penso comigo: Está bem, está bem, já vi quem tem mais força. Procuro outra estratégia, afinal devo ao menos ser mais inteligente do que ela, e resolvo afrouxar a rédea. Ela capta a mensagem e também relaxa. Nos olhamos, com a expectativa de que um de nós faça o próximo movimento. Assim, sabiamente resolvo a questão e dou adeus à minha já esfarrapada honra e, triunfante, a conduzo respeitosa e delicadamente. Eu, caminhando na frente, e ela atrás, nós dois andando. Talvez ela estivesse exigindo igualdade de direitos. A chuva ainda nos molhava, igualmente, e lavava meus pensamentos tanto que quando vi já estava em frente ao colchete que dava acesso ao fundo de nossa fazenda, nosso território.

Novamente consciente e dentro de meus domínios, a indignação tomou conta de mim, mas logo percebi que a Dita já tinha gasto toda sua bondade comigo, se permitindo ser conduzida até aquele ponto, e não tive mais dúvidas. Livrei-a daquela injustiça chamada sela e decretei: - Vá pastar!!!

Ajeitei a sela sobre uma pedra – depois voltaria para busca-la – e continuei a seguir à pé até a sede, agora desacompanhado, mas ainda bastante molhado e cansado.
De longe avistei a casa e pouco depois entrei, pela cozinha e, quando percebo o olhar consternado de meu pai, pensei comigo: Ah! Aqui sim sou respeitado e compreendido – ao que ouço ele esbravejar:
- Seu moleque! Não viu que ia chover? Porque não voltou antes?